quarta-feira, 23 de maio de 2007

Viagem a mim

Saía finalmente da estradinha sinuosa e contorcida para entrar na via rápida. Repara que a janela outrora aberta na esperança de refrescar a cabeça tornava-se agora incómoda.
Faz quinze minutos que deixava a sua casa, uma discussão que queria esquecer, uma conversa que preferia não ter tido regressa agora vezes sem conta à sua cabeça como um disco riscado.
Está sol e não há nuvens, o tempo não está quente e parece pairar uma névoa típica da região no ar. Existe um certo misticismo associado a esta zona e hoje isso nota-se. Ela sente-se bem neste ambiente. Hoje está melancólicamente perfeito.
Não sabendo onde ir, deambulou por caminhos perdidos na memória, foi revivendo a paisagem, aqui e ali alterada, novas construções, alguns edifícios velhos abandonados, mas em todo o caminho uma certa familiaridade. Mais preocupada com aquilo que tinha deixado para trás não se apercebia onde se dirigia nem qual o caminho de regresso...simplesmente saiu de casa, chave na mão, umas quantas lágrimas quase a escaparem-se e um destino desconhecido no bolso.
Encontrou-se perdida, sem saber onde virar e para que direcção, hora e meia volvida e não sabia onde estava. Perguntou algumas indicações, não lhe souberam explicar ou não soube entender. Estava baralhada e ausente, a sua vida não estava nada como ela havia sonhado. Tudo uma confusão.
Acaba por reencontrar alcatrão conhecido, sítios que sempre existiram para ela, locais de passagem constante, um ritual escolar de antigamente, quando havia inocência.
Perturba-lhe a idéia de reviver isto. Encontra-se perante o portão da frente dos seus medos mais profundos, chegou até aqui agarrada pelas mãos do destino, viajou na sua maré, ao seu sabor estrada fora. A chave, sempre a teve e neste dia cinzento e sem sabor é confrontada com o seu futuro sonhado e perdido contra o seu presente torto e volátil. Pergunta-se se valerá a pena usá-la...
Relembra todo um passado apagado pelas experiências a ele associado. Revê-se em cada esquina do caminho que passa, em cada loja que outrora entrou e em cada sítio que cruza.
A Edificação aparece-lhe singela e abandonada quando pára o carro à sua frente e com um fio de coragem a escorrer-lhe face fora vira a cabeça para a sua esquerda. Sabe-lhe a sal quando a gota lhe chega aos lábios e pára por momentos a saboreá-la. Hesita. Não tinha sequer pensado em vir aqui e agora está cá.
Aquilo que começou como uma fuga é agora uma indecisão. se deve ou não seguir viagem, se deve voltar para trás e procurar o regresso ou se tem coragem suficiente para enfrentar tudo aquilo que está ali representado, naquelas paredes, naquele espaço.
Passa-se uma hora e começa a sentir umas picadas no pesçoso. Repara então que ainda não se mexeu desde que estacionou.Está estática, imóvel, como se pensar devagar ajudasse a não sentir aquele ardor.Respira fundo e tenta pensar em coisas positivas. O melhor que consegue é pensar o que seria que pessoas conhecidas que considera optimistas pensariam se tivessem naquela situação. E sente-se pequena, incapaz de melhor. Começa a sentir na pele a sua mísera condição à qual se submete sem luta de capa e espada. Assume a derrota. É uma perdedora.
Respira fundo e encosta-se no banco do carro. Chora lágrimas de incapacidade. Dói-lhe o peito de fazer força para manter dentro de si todos os demónios.
O sol já não parece tão alto e as sombras começam a surgir aqui e ali. Uma criança passa a correr pelo passeio com uma bola debaixo do braço seguida da mãe preocupada.
Começam a abanar as árvores e começa a abanar a mente. Começa a dizer a si mesmo tudo aquilo que sempre lhe disseram e que nunca acreditou. Começa a criar expectativas e tentar ver algo de positivo em estar ali, naquele sítio, naquele dia, naquela situação, com aquele humor e com aquela vontade. COmeça a remexer no fundo de si, a revolver a alma, a retorcer ideias e medos até não serem nada mais que uma mancha difusa no seu pensamento e sai do carro. Alheia a si e ao que a rodeia, trancou o carro, atravessou a rua, apenas lembrando-se de olhar para os lados quando estava a chegar ao passeio.
Aquilo que começou por uma escapadela cobarde a uma discussão, aquilo que foi um erro ter voltado aqui era agora um desafio mental que tinha de ganhar a si mesma.
Olhou para o portão. Reparou na tinta estalada e na cor que era diferente. Entrou para o jardim que despejava verde pelas bordas e sentiu-se tentada a voltar para o carro, ainda recolocou um pé no sentido do portão, mas, hesitante, continuou a andar em direcção às traseiras. Ao passar junto à janela vê um vulto dentro da habitação a mover-se. Assusta-se e regressa a passo rápido para o exterior do jardim, atravessa o portão tentando ter o cuidado de o deixar na mesma posição. Atravessa a estrada, abre o carro e entra. Expira profundamente.Olha novamente para a casa e sorri nem reparando que juntamente com o esticar dos lábios também as lágrimas escorrem. Quase que era apanhada. Sentiu-se bem em conseguir fazer o que acabara de fazer. Tentar.
Liga o carro e arranca. A rádio toca um hit musical recente, daqueles que passa quatro a cinco vezes ao dia. Ignora, vai mais confiante e mais segura de si. agora acredita que é capaz de tudo, mesmo sabendo que não, por momentos sente-se feliz consigo e com o mundo e, durante todo o caminho para casa a sua grande preocupação deixou de ser o que lhe aconteceu naquela casa que deixa para trás e como isso mudou-lhe a vida, lhe quebrou o espirito, lhe tirou a vontade.

quarta-feira, 16 de maio de 2007

A velha

--==ELE==--

São duas da tarde em ponto, não sopra uma aragem sequer, o Sol aperta e a pele começa a criar aquelas gotículas de suor salgado numa tentativa desesperada de refrescar o corpo cansado de correr. Transpira satisfação.O cenário não é muito diferente do que ele está habituado, a rua ladeada de prédios de 2 andares sem elevador e salpicada com uma ou outra vivenda tudo com um aspecto mimoso e cuidado. Desce essa rua a correr como já a tinha descido milhares de vezes, só que desta vez além da pressa leva consigo uma série de questões: "quem era a pessoa com quem tinha falado?", "Como seria tal personagem?", "porquê que esta conversa tinha acontecido?", "será alguém que conheço a querer gozar comigo?", "será que não?".
Enquanto se pergunta a si mesmo vezes sem conta estas perguntas nas mais variadas formas possíveis,encontra uma velhota que descia a mesma rua com o carrinho das compras azul. Torce o torso comprimindo o peito e, com alguma perícia esgueira-se no pouco espaço entre a senhora que se assusta e a carrinha do pintor, estacionada à pressa em cima do passeio. "Estou atrasado" pensa para si.

Chegado à estação ferroviária coloca as mãos nos joelhos, tentando respirar mais ar do que o permitido pelos pulmões, pingando cansaço pela ponta do nariz. Procura em volta e não a vê. Estão apenas duas pessoas, dois homens com mais de 40 sentados na conversa. Confirma atentamente o relógio, são 14:05, tinha combinado ás 14:03, e nem mais um segundo e agora não está ninguém na estação. "será que cheguei cedo? ou tarde? terá ela já se ido embora? o que fazer?"...
Passam 10 minutos e nada muda. Ninguém aparece. Os carris lá ao fundo junto à curva parecem bailar ao sabor do calor.

"Como é que me atrasei?" Não conformado, levanta-se e hesitando a cada passo, regressa pelo mesmo caminho. Andando.

Frio, um arrepio que lhe trepa pela pele e quase que o faz soltar um gemido de prazer. Teve a inovadora ideia de se esgueirar para um prédio com a porta semi-aberta que encontrou pelo caminho, imaginou que poderia estar um pouco menos calor lá dentro, mas ao entrar apercebeu-se que não só estava uma grande diferença de temperatura como era um ar húmido e antigo.
O tempo que os seus olhos levaram a habituar-se ao escuro e ao interior do edifício notou uma fresca fragrância no ar...um perfume esquecido naquela entrada desgastada pelo tempo. Gostou. Avançou pelo primeiro vão de escadas até ao R/c. As portas dos apartamentos eram antigas e de pouca segurança, havia vasos de plantas raquíticas no piso (sabe-se lá como sobrevivem aqui) e, avançando para o próximo vão, sentou-se nos primeiros degraus. Está baralhado. Aquela miúda que ligou por engano, com uma voz doce e simpática, com a qual falou mais de 2 horas ao telefone, que o fez ficar sem almoço e a correr estrada fora para ir ter com ela não apareceu. Perdeu a fome, a vontade de voltar...e começou a imaginar...

Veio-lhe à cabeça que ela cheirava a esta mesma fragância que lhe saltava nas narinas, que era alta e atlética, cabelos castanho escuro e um nariz arrebitado, que ela estava na estação à sua espera, meio ansiosa e tímida, meio atrevida e curiosa. Imaginou a conversa, os trejeitos, a forma como se criavam covas na face dela quando se ria dos disparates que diziam, como andava em direcção à praia e como se sentava no muro, ficando lado a lado a trocar perguntas e respostas tentando se conhecer.
Pareceu-lhe tudo efémero. Pesaram-lhe as pálpebras. Lembrou-se então das 4 horas que dormiu na noite anterior e da festa que foi ir para a praia na noite anterior com amigos. Que vontade de o repetir e que falta de forças para se mover.Adormeceu.

acorda, o telemóvel começou a tocar, enchendo a escadaria com aquele som metálico... Desligou-se por si só. O número no ecrã do telemóvel, que se tivesse ombros encolhia-os, resumia-se a "número ocultado", pedindo desculpa por ter acordado para nada... ouve sons na escadas mais a cima, imobiliza-se tentando perceber... mas o som desaparece. Alguém dentro de um dos pisos que deve ter espreitado à porta.Resta silêncio e escuridão...novamente.

Levanta-se cabisbaixo e vai resumir a sua vida, comer, que a barriga aperta. Sente-se chateado e de mau humor, sente-se enganado. Esperava mais que isto. Começa a dirigir-se para as escadas mas as pernas trôpegas de estar mal sentado tremem-lhe e pára durante uns segundos deixando o sangue correr livremente pernas fora...

A porta que anteriormente encontrara semi-aberta é encontrada fechada. Arrepende-se de a ter fechado quando após tentativas várias não a consegue abrir sem a chave. Acto contínuo ouve um som escadas fora que lhe pareceu um grito/lamento a dizer "Não!", ao virar o corpo para o interior do edifício, volta a torcer-se dando uma volta de 360º sobre si mesmo. A velhota do saco azul abria a porta com a chave zangada e ouviu-a dizer: "este jovens, não basta andarem aí aos saltos no meio da rua agora também entram em prédios alheios, vivo aqui desde....e não têm respeito nenhum...sai já daqui!". Ele saiu a correr. confuso e aborrecido, frustrado e estranho... perdida uma tarde e um sonho... que vida....sobe agora o resto da rua para a sua casa.

--==ELA==--

Contava carneiros, ovelhas e afins, lembrava do que podia ou tentava esquecer tudo, revolvia-se sobre si mesmo desfazendo a réstia de composição que os seus lençóis ainda tinham. Se não fosse este calor infernal...mas também a sua cabeça estava "quente". Amanheceu e o sono não aparecia.... não dormia bem há 2 noites e ainda não tinham passado 24 horas desde que o seu namoro terminava, desta vez pensava ela, definitivamente.
Passados 4 anos de namoro com um rapaz que nunca chegou bem a decidir se gostava dele ou não, ou por preguiça, ou por decisão do momento o pobre rapaz nunca chegou a saber ao certo o quanto ela gostou dele... é o que lhe custa mais.
Levanta-se após o sol nascer e perde hora e meia num banho de imersão com a água relativamente fresca...gasta outra hora com cremes e perfumes, numa composição e ordem que ela acha particularmente pessoal e divertida. dá-lhe prazer cuidar dela assim. Toma o pequeno almoço enquanto lê o fim de um livro, tentando não se lembrar de quem lho ofereceu. Está de férias e não tem nada combinado ou por fazer. E sente o desespero a crescer dentro dela. Não lhe apetece ir para a praia sozinha, não sente o mínimo de vontade de ir tentar ter conversas normais quando não lhe sai da cabeça aquele assunto.
Pega no telemóvel e liga o número que sempre ligou, da sua melhor amiga e confidente procurando alguém com quem partilhar as mágoas e desgostos. Precisa de ouvir alguém dizer "fizeste bem" porque sabe que não fez e contava com ela para essa missão, quem sabe, até se rir um bocado.
Ao atenderem, ouve uma voz rouca e pouco segura "t t ...tou?" masculina... olha para o telemóvel tentando perceber se o número que ligou era o certo e ouve novamente "tou?"...

"tou" , responde.
"posso falar com a diana?"
"podes, não faz mal"
"quem fala?"
"fala o dorminhoco"
"desculpa" - diz ela
"não faz mal, tinha mesmo de acordar. Obrigado por teres ligado"
Não sabia quem falava e tinha quase a certeza que se tinha enganado no numero, aquela mania de escrever o número de cabeça e não ir à lista já lhe tinha custado umas quantas conversas indesejáveis.. mas esta estava a ser diferente...
"acho que me enganei no numero"
"é bem provável, mas não penses que te escapas assim tão facilmente"
"então porquê?"
"porque agora que me acordaste vais ter de me ajudar"
"ajudar? não estou a perceber"
"é assim...antes disso, podes falar ou vais gastar muito?"
"posso, só pago o primeiro minuto...promoções"
"ah sim? ainda bem... porque eu não sei o que vestir hoje..."
"(risos) isso não é problema meu"
"eu sei, eu sei, mas podias-me ajudar.. qual é a tua cor favorita?"
Confiar ou não confiar, é aqui que ela se põe a pensar, uma pergunta pessoal...será que lhe digo a verdade? será que invento?
"laranja!"
"viste? foi fácil.. agora diz-me... o que combina com laranja?"
...
Ela nem deu pelo tempo a passar e apesar da chamada ter caído ela voltou a ligar-lhe, e falaram durante muito tempo, ela nem se apercebeu o quanto. Era exactamente o que ela precisava, alguém novo, diferente e simpático pela vida dentro. falaram de tudo, ela contou-lhe muito sobre a relação passada ela, o que correu mal e a situação dela, ele foi mais que compreensivo.
É o bom dos diálogos telefónicos, as pessoas falam mais, por não obter uma resposta visual do interlocutor, acaba-se por transferir para essa imagem a imagem que gostávamos que eles tivessem e assim ela fez. sentiu-se melhor, mais à vontade, mais solta....
o tempo foi passando e fez uma loucura...
"e se fossemos beber um café?"
"pode ser?"
"daqui a 30 minutos exactamente?"
"pode ser que já estou despachada"
"na estação?"
"sim"
"mas nem mais um minuto, se à hora certa não estiveres lá ou eu não estiver lá, fica sem efeito. combinado?"
"combinadíssimo!!!"
"até já"
"até já"

Eram 13:54 e ela já estava na estação. faltavam exactamente 9 minutos para a hora combinada.
Esperava ansiosa pela passagem do tempo. Como seria ele? gostou da voz e da forma de falar, da ternura das palavras e da atenção que lhe deu... será que era bonito, ou seria feio? Lembrou-se então de uma conversa que teve com uma amiga que lhe contou ter tido um encontro assim também às cegas, que adorou a conversa mas ao vivo as coisas eram bem diferentes, mais feias... e ficou na dúvida.

Sentada no escuro via passar a hora certa, o minuto seguinte e o próximo. A senhora com quem se cruzara tinha tentado dar-lhe um lenço, mas agora sente-se arrependida não ter aceite, chora calada soluços de dúvida, de impotência para com ela e com vontade de voltar a trás e corrigir o que achou mal... não devia ter deixado a estação. Nem que fosse só para lhe dizer que se ia embora. Não se liga para pessoas e depois não se aparece. Passam mais uns minutos.

Fechada naquele segundo andar, topo de lugar nenhum, escuro e fresco, pensava na vida e no que a fez chegar aquele ponto, aquilo que a mudou e aquilo que ela permitiu que a mudasse. Pensou nos bons e maus momentos que teve na relação e não conseguia pensar em nada mais que a relação... por breves segundos ainda pensou que ainda fazia parte dela...mas não estava arrependida. Ouviu uns barulhos mais a baixo, mas terminaram com a mesma leveza com que começaram. encolheu-se pra não ser vista, mesmo com a negrume que a rodeava e meteu-se mais há vontade quando terminou. Lembrou-se então do rapaz e da conversa que teve com ele. O bem que sentiu e o à vontade com que despejou cá pra fora o que lhe ia na alma a um perfeito estranho e o quão atencioso ele fora ouvindo tudo, tentando dizimar qualquer resto de mágoa dela e o carinhoso que foi dizendo coisas como "haverá melhores momentos na tua vida, alguns tão grandiosos que te farão esquecer todos os outros, e é por esses momentos que deves procurar se queres esquecer seja o que for da tua vida"....

Tenho de lhe pedir desculpa, tenho de voltar a falar com ele e tentar explicar porque falhei...vou-lhe ligar.

Que é que está a tocar? Pânico! Onde é que se desliga? Ele está aqui nas escadas comigo... toca uma ultima vez..."o que é que faço? não consigo pensar!" ela debate-se se deve falar ou não, dizer alguma coisa ou ficar calada. o telemóvel começa a tocar para mostrar o dinheiro no cartão, som que ela abafa prontamente tentando não revelar a sua presença...Não sabe o que fazer. Espreita tentando não ser vista e vê um rapaz, estatura normal e cabelo escuro, cabeça em baixo a levantar-se,dar 2 passos e parar,sacudir as pernas...o seu telemóvel vibra. "novas mensagens 1"
"Mostrar"
"eu sei que apenas terminamos há pouco tempo.sei que não queres voltar para mim.que nunca soubeste o quanto gostas de mim se e que alguma vez gostaste.por isso quero que saibas que n quero que me voltes a falar,quero que me esqueças e que facas algo mais útil da tua vida q apenas essa desculpa estúpida que e existir.não vais ter nada melhor que o que tiveste cmg.és uma lastima de pessoa.mais,eu já tenho namorada,uma pessoa a serio e uma relação a serio.adeus"
Caiu-lhe tudo ao chão...sentiu-se realmente uma lastima e solta um não!....e aterra no soalho de madeira a chorar.


--==ELE==--
São oito da noite e sai de casa, vai ao café centrar ter com o pessoal.alem da velha rezingona, as únicas pessoas com quem vai falar.vê uns pirilampos azuis a piscar enquanto desce a sua rua imagina alguma viatura de transporte de idosos, mais que comum naquela zona. Imagina a velhota (coitada) a passar de maca e sacode a cabeça com tamanho disparate...
Qual o espanto quando se depara com uma ambulância dos bombeiros e uma viatura da policia parados a porta do mesmo prédio onde esteve hoje a tarde...nem queria acreditar...a velha estava de roupão com mais gente a barafustar com um policia enquanto o seu colega se encontrava junto ao carro a escrever num caderninho:
`que aconteceu` pergunta ao policia
`uma rapariga q caiu das escadas, faleceu.`
`quando?`
`hoje a tarde.conhece alguem que viva ou visite este edifício?`
`n, obrigado`
Surpreendido,recomeça a andar e a rever tudo o que aconteceu nesse dia,la dentro...




Ao passar a maca com o corpo fechado no saco preto, o conteúdo começa a cantar...`to the left to the left` chamando a atenção dos demais...a velha começa a gritar... Foi ele..apontando pro rapaz que descia a rua... Foi ele que a matou...eu vi!! Eu vi!

A pele começa a criar aquelas gotículas de suor salgado numa tentativa desesperada enquanto descia a rua a correr...

sexta-feira, 4 de maio de 2007

Dar um mergulho no mar...

De pálpebras fechadas sinto o quente do sol nos olhos. Aperto mais os olhos, como se conseguisse aliviar a dor...estou deitado há mais tempo do me lembro com a cara virada para o sol.
Já não sinto água escorrida no corpo, sinto apenas zonas do meu peito e pernas mais quentes que o resto, talvez por aí se ter junto mais sal, ou por outro motivo desconhecido. não me preocupa.
Oiço imensos sons à minha volta, distintos, ora crianças a brincar, a rir e a gritar, a chamarem ou ainda uma a chorar, ora pessoas a falar, a contar histórias de outro tempo, ou a chamar alguém longe ora o som crepitante de pés apressados em areia quente, todos como que a tentarem abafar o único som natural do local, o rebater das ondas, aquele som ininterrupto que dia e noite me toca na alma.

Sento-me com a cabeça baixa e tento abrir lentamente os olhos. Arde. Apenas vislumbro uns riscos de luz multicolorida, como labaredas que me tocam os olhos. Passado dois ou três segundos já consigo aperceber-me de manchas de cor mais definidas a dançar de um lado para o outro. Começo a ouvir umas pancadas secas intervaladas e alternadas bem perto de mim. Finalmente repisco repetidamente os olhos e consigo levantar a cabeça e ver novamente do que me rodeia.

Vejo uma praia com não mais de 200 metros de largura, escavada entre as rochas calcárias amareladas como o areão, vejo o mar que bate na areia com uma ondulação a requebrar-se pachorenta de um azul cristalino, permitindo ver os peixes através delas.
Levanto-me, espreguiço-me e tocas-me com os pés nos tornozelos.
-"Onde vais?"
-"vou voltar..."
Começo a andar em direcção ao mar, descendo a praia, desviando de algumas toalhas com gente "adormecida" ao sol, alguns topless atrevidos ou tímidos e uma criança perdida de riso com o que me parece ser uma avó "babada".
ESTALO! Percorre da planta do pé, passando pelos gémeos, pelo fundo das costas, eriça os pelos todos até á base do crânio, descendo novamente pelos braços até á ponta dos dedos. Quando toco na areia molhada...é bom este arrepio. Espero um pouco apreciando a diferença de temperatura do meu corpo, toda esta paisagem e aquilo pelo que anseio.
Uma onda rebenta esticando-se toda até me tocar os dedos, regressando novamente numa massa de areia e água dando origem a outra e outra que a imitam. É assim a vida. É assim os sonhos.
Apercebo-me do bate seco terminar e sinto algo tocar-me o pé. Devolvo a bola a um amigo meu que me pergunta se vamos à praia do lado.

Inspiro fundo, dou dois passos e teleporto-me para outra dimensão.
Neste novo mundo deixa de haver gravidade, o ar passa a ter uma viscosidade 800 vezes maior, o som deixa de ser ruidoso e passa a ser ora metálico, ora líquido, as pessoas deixam de precisar de andar ou correr, passam apenas a voar e a cada bater de asas, existem toda uma panóplia de coisas novas a descobrir...é um mundo sereno e difuso, calmo e agreste, diferente mas estranhamente apetecível. Abro os olhos e apercebo-me dos raios de sol dançantes que atravessam a superfície em jorro e iluminam rochas que salpicadamente cobrem o fundo... toco em algumas para lhes sentir o frio e vou nadando junto ao fundo enquanto o fôlego e a vontade de me manter lá permitir...exalo as últimas golfadas de ar à medida que vou subindo.
Sinto o corpo refrescado, sinto a alma limpa, os pulmões novos, o coração a bombear com garra e as tormentas esquecidas. Sinto outro eu, estou no meu meio, estou em "casa". Volto a encher os pulmões. Uma gaivota passa a voar por cima de mim cortando o sol e é nesse preciso momento que tudo faz sentido! a vida faz sentido, existir faz sentido. Adoro a vida e a liberdade que ela nos dá! Vibro cada minuto e arrepia-me cada instante! Estico o meu corpo até chegar ao tamanho da minha alma... mas é tarde... estou a milhas dali já! estou a voar, a ver a praia pequena,a sentir o vento, a olhar em tudo em redor e a aperceber-me do quão pequenas são as nossas preocupações. Olho o mar e mergulho qual mergulhão, atiro-me de feição às marés e nado qual golfinho. Estico-me mais um pouco e volto a mim e à praia com menos de 200 metros vendo-te acenar ao longe, de pé, com a pele bronzeada um olho ainda fechado e um sorriso nos lábios.... regresso a nadar para a praia, uma distância que não consigo decidir se gostava que fosse maior ou menor...e encontro-me contigo. Adoro sentir o quente da tua pele contra a minha molhada quando te beijo. Arrepias-te ao toque e apertas-me mais. Uma onda molha-te as pernas quentes e apertas o beijo, abraço-te mais e sinto-te a saborear o sal da minha língua..

Tal como na vida, o mar sem sal é apenas um rio que corre com destino certo.
O Amor é o sal da vida.Obrigado.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Pássaro que voa alto...

Sentado no sofá, leio um livro que me intrigou durante semanas até finamente comprá-lo e começar a lê-lo há uma mão cheia de horas. Está a entusiasmar-me particularmente porque o filme foi fabuloso. Respiro pausadamente entre cada folha tentando não me desconcentrar quando a leitura é interrompida. Ocasionalmente oiço outro folhear, alheio a mim ou à minha leitura.
É quase noite e as cores da rua escurecem à medida que se vão tornando de alaranjados lilás para azuis acinzentados.
Mais uma hora passa e o ar arrefece, arrepia-me a aragem que se cria quando te levantas e vais buscar um cobertor. Ao voltares deténs-te. O pássaro da capa do livro que trazes na mão parece fazer um esgar pela força com que o apertas e o cobertor laranja escorrega lentamente por si só ficando cada vez mais pingado...
-"Temos de falar." Dizes tu tentando disfarçar a gravidade da frase.
Levanto-me, poiso o livro na mesa que se encontra junto à janela. Olho lá pra fora, tentando aperceber-me o quanto escurece num segundo e fracassando. Olho de novo para ti, com o cobertor quase no chão e chamo-te para junto de mim com um gesto e um sorriso, o mais acolhedor que consigo. Abraço-te ao chegares a mim, ficando o meu queixo a brincar com os teus cabelos escuros. Fecho os olhos e respondo-te:
-"Eu sinto o mesmo."
Acto contínuo, com os braços à volta dos teus ombros aperto com gentileza e alguma firmeza, como se este toque te demonstrasse a minha convcição.
Ainda de olhos fechados vejo-te sorrires, voltares-te para mim e beijares-me, os meus músculos contraem-se, o meu cérebro prepara-se para o beijo, todas as minhas terminações nervosas que te tocam sentem um choque e...
-"Não é nada disso tonto, temos de falar sobre o jantar, sempre queres sair?".
Caio em mim e arrependo-me do meu pensamento estúpido. Revejo todas as minhas acções tentando discernir até que ponto foram reais para ti....
Viras-te para mim, com um sorriso maroto que não vejo, fechado nos meus pensamentos e tentando disfarçar o que pensei, e insistes:
"-Temos de saber como vamos fazer, porque se te beijo agora, provavelmente não iremos sair!"
Cai-me tudo ao chão, interrompo o pensamento de começar a gracejar sobre sentir o mesmo "aperto" no estômago que tu para tentar a todo o custo disfarçar a frase dita e....impacto! Sinto os teus lábios humedecidos a tocarem os meus, a humedecerem os meus...
O sol que já se pôs deixando um rasto de nuvens cada vez mais cinzentas no céu, os candeeiros de iluminação pública que se acendem, largando bolas amarelas à sua volta, o distante e distinto som televisivo do apartamento de cima que indica o início do telejornal, o toque da tua pele nua contra o meu peito, o arrepio do beijo, há tanto tempo desejado, tanto tempo imaginado mas único e volátil como o primeiro. Quero falar, perguntar porquê, saber o que te passou pela cabeça, quero estar calado, quero saber isso sentindo, quero abraçar-te, quero devolver-te estas carícias a triplicar, quero querer-te mais, quero-te... que sensação transcendente esta que me enche o corpo quando me tocas, quando me beijas, quando queres. Termina o beijo.
-"Abusei?".
-"Não tenho palavras...". Sorris.
-"Sempre queres jantar fora?".
-"Quero estar contigo"....
...Arrepia-me a aragem que se cria quando te levantas e vais buscar um cobertor. Apercebo-me então que página e meia do que tenho antes do meu dedo "marcador" não foi lida. Vejo-te sentares novamente a ler, tapada com um cobertor de pelúcia laranja e reparo que os teus lábios brilham quando te aconchegas com o livro no colo. Sacudo a cabeça, procuro no texto as primeiras palavras da página, tentando esquecer a partida que a minha mente me pregou e ao olhar para ti de relance, aconchegada, feliz e concentrada, reparo que o pássaro da capa parece rir-se...ganho coragem e:
-"Temos de falar"
...